sexta-feira, 25 de março de 2011

Abandono e Infanticídio no Brasil XVIII

    As conseqüências realmente graves da maternidade irregular eram de ordem sócio-econômica e não moral. A pobreza e dificuldades da vida material uniam de mulheres brancas pobres a escravas, confirmando a necessidade feminina de estabilidade e proteção. Para muitas mães solteiras, sem família nem companheiro, o filho passava a significar 'mais uma boca para alimentar'. Tal cenário de extrema pobreza e luta pela vida é um dos motivos que obrigava muitas mães a destinar seus filhos ao abandono ou ao infanticídio, esses dois em maior número que o aborto.
Os diferentes ritmos de crescimento do mundo colonial repercutiam fortemente na condição de vida das crianças. Enquanto no campo, onde as transformações eram lentas, o abandono raramente ocorria e os enjeitados acabavam sendo adotados como 'filhos de criação'; na cidade, espaço de aceleradas transformações e desequilíbrios, não havia lugar para acolher os pobres e dar assistência ao enorme número de crianças enjeitadas.
 



"No século XVIII, houve um crescimento da população livre e pobre e junto com ele o abandono de crianças, ao desamparo pelas ruas e lugares imundos, segundo os Anais do Rio de Janeiro de 1840." (DEL PRIORE, 1989. P. 48) Nas cidades, coube às câmaras e às Santas Casas o trabalho de acolhimento e criação de enjeitados. Nas Santas Casas instalava-se a Roda dos Expostos, onde os bebês eram deixados.
Cabe-nos agora explorar mais de perto o comportamento feminino em relação ao abandono dos filhos, fazendo algumas perguntas; quais motivos levariam mães a abandonarem seus filhos? De que forma é possível conhecer um pouco de sensibilidade materna nos séculos passados através da história do abandono de crianças? Qual é o significado do abandono e o que está por trás dessa atitude?

Uma interpretação bastante comum consiste em atribuir o abandono a motivos morais. Entre a população branca, o comportamento feminino dentro dos padrões morais estabelecidos era permanentemente fiscalizado pela Igreja e pela comunidade. Assim, "um filho ilegítimo(de mulheres negras e mestiças) não desonrava a mãe no mesmo grau de uma mulher branca."( DEL PRIORE, 1989. P. 198.) dessa forma, a Roda dos Expostos procurava evitar os crimes morais, protegendo as mulheres brancas e solteiras dos escândalos, ao mesmo tempo que oferecia alternativa à crueldade do infanticídio.
Portanto, é de se supor que muitos enjeitados no Brasil colonial fossem resultado das relações ilícitas de mulheres de condição social elevada, para as quais era fundamental a manutenção da honra. No entanto, é necessário lembrar que a mãe solteira ou concumbina acabou sendo aceita nas cidades e vilas do século XVIII. Assim sendo, "o modelo patriarcal que contrapõe o recato da mulher branca à promiscuidade das escravas é uma grosseira simplificação da realidade".( DEL PRIORE, 1989. P. 199)
Uma Segunda interpretação à prática do abandono, talvez a de maior ocorrência de todas, consiste no abandono como resultado da miséria e indigência das mães.
A escravidão e a miséria deixaram como herança séculos de instabilidade doméstica, o que levou as mães das camadas populares a improvisarem até mesmo as formas de amor e de criação dos filhos: uma prática comum entre as mães pobres consistia na distribuição de seus filhos entre parentes, amigas ou comadres para os criarem

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